sexta-feira, 9 de julho de 2010

NA PEGADA DE LULA


@Ernesto Melo Vieira


No momento em que escrevo esta crónica só uma coisa preocupa os brasileiros: o embaraço causado pela eliminação prematura da Copa  - apesar “compensação” originada pela derrota da Argentina -. Numa cidade agitada como Belo Horizonte, em que muitos supermercados estão abertos 24h  e onde o tráfego intenso já se tornou uma forma de vida, tudo paralisou aquando da exibição dos jogos do Brasil. Em todo o país: fábricas, escritórios, escolas, lojas e inclusive, centros de saúde encerraram. Tudo para verem a “jabulani” rolar, e a torcida vibrar. 
Mas os políticos locais, canalizaram toda a sua artilharia para um outro campeonato. No próximo dia 6 de Julho a campanha eleitoral arranca formalmente. Será a primeira eleição presidencial desde que a democracia foi restaurada em 1980 e em que o Luís Inácio Lula da Silva, não figurará como candidato. Mas Lula presidente desde 2003, é a figura predominante em toda a campanha. Nos últimos 18 meses, empenhou todo o seu esforço para que Dilma Rouseff, sua ex-chefe de gabinete, seja eleita como seu sucessor. Ela está longe de ser o candidato presidencial óbvio: a eficiente, mas notoriamente mal-humorada gestora, só se juntou ao Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva ( PT ), em 2001. Nunca  antes, se submeteu ao sufrágio popular. Diversas outras figuras marcantes do PT, foram excluídas do processo eleitoral devido ao escândalo de corrupção no qual estiveram envolvidas e que marcou o primeiro mandato de Lula. Os restantes potenciais candidatos pelo PT, revelaram-se uns “flops” eleitorais.



A principio pouco conhecida pelo eleitorado, Dilma passou o último ano a recuperar de um cancro linfático. Apesar de todas estas contrariedades, ela conseguiu recuperar e encontra-se bem posicionada nas mais recentes sondagens de opinião. Este mês ela conseguiu pela primeira vez, ultrapassar nas sondagens  o líder e candidato pela oposição José Serra – ex governador do Estado de S. Paulo -. O outro candidato plausível é Marina Silva, antiga membro do PT e que representa o pequeno Partidos dos Verdes. Tal como Lula nasceu na pobreza, mas tal como ele, cedo descobriu as deficiências governativas, particularmente na defesa do ambiente. Com uma forte consciência social, e reconhecidas capacidades governativas no âmbito do ambiente, não conseguiu reunir uma base de apoio suficiente que lhe permita disputar de igual para igual a presidência.

A grande subida nas sondagens por parte de Dilma Rouseff, demonstra que Lula foi capaz de transferir para ela, a sua extraordinária popularidade. Antigo líder sindical, Lula beneficia de uma grande empatia por parte grande maioria dos brasileiros, que mais nenhum político, teve ou tem. Para tal em muito contribuiu as suas concretizações no âmbito social . Ele presidiu ao governo durante um período de progressivo crescimento económico, que agora – convenientemente – atinge novos máximos. Níveis nunca antes atingidos e que se traduziram numa drástica redução dos níveis de pobreza.

Mesmo se aguardando um abrandamento no crescimento no corrente semestre, o PIB irá atingir um aumento em 2010, de aproximadamente 8%. Extraordinariamente importante, para um ano de eleições. As sondagens demonstram que, cerca de 75% dos brasileiros aprovam o trabalho desenvolvido por Lula. Alexandre Marinis, consultor politico em São Paulo, informou que na historial recente das eleições presidenciais, existe uma correlação direta entre a popularidade do presidente e o sucesso do candidato por ele designado.
Tudo isto faz com que o trabalho a desenvolver pelo candidato José Serra, seja extraordinariamente difícil. Ministro no anterior governo de Fernando Henrique Cardoso ( FHC ) e ex-governador do Estado de S. Paulo – segundo mais poderoso cargo politico no Brasil -, José Serra ultrapassa em muito, a experiência politica de Dilma Rouseff.  Ele está usando a sua experiência politica como estandarte, mas os brasileiros particularmente os das camadas sociais mais desfavorecidas, o que querem, é continuidade. Como tal os seus apoiantes, contam apenas com as habituais gaffes da candidata adversária, para uma possível inversão nas sondagens.
Mas Dilma Rouseff, está cada vez mais confiante. Para compreender o porquê, visitem favelas como a do 1º de Maio, empoleirada nos morros da região Nordeste de Belo Horizonte, situada a cerca de 30 minutos do centro, onde o partido liderado por Serra - e que governa BH -, construiu recentemente um novo centro de saúde e uma escola. Apesar disso,  a simpatia dos residentes vai direitinha para o presidente.
Todo o crédito vai para Lula e o Bolsa Família, programa sob o qual cerca de  12 milhões das mais pobres famílias brasileiras, recebem um subsidio mensal de até R$200 ( €90 ) pago às mães que garantam que os seus filhos frequentam a escola e se submetam regularmente aos programas globais de vacinação.

“ Ele fez um grande esforço. Ele pensou muito nos nossos problemas”,  disse Milene Ribeiro, mãe solteira de 3 filhos, cuja única ambição era ser professora e que teve de abandonar a universidade, por falta de meios.
“Vivendo aqui, longe do mundo, temos de votar em alguém que se preocupe com os nossos problemas”, referiu Quitéria de Souza, mãe separada de 3 meninas.

As estatísticas do progresso social no Brasil, são notáveis. O número de pessoas, vivendo abaixo do nível de pobreza, caiu 20 milhões, sob o governo de Lula. De 49,5 milhões ( 28,5 % do total ) em 2003 para 29 milhões ( 16% do total ) em 2008 - dados fornecidos pela Fundação Getúlio Vargas-. Apesar de a recessão verificada a nível mundial ter tido algum  impacto negativo no desenvolvimento verificado no Brasil , o processo de reformas sociais não foi invertido, como sucedeu em outros países.

Nivelar o campo de “jogo”

Simultaneamente, o Brasil conseguiu melhor redistribuir as receitas. O índice Gini – índice socioeconómico standard, que avalia as desigualdades – caiu continuadamente desde 2001                     ( apesar de o valor médio estar ainda muito acima dos standards internacionais ). De alguma forma o Brasil começa a torna-se uma sociedade, algo mais homogénea. As desigualdades regionais também têm vindo a diminuir: a receita média no Nordeste, mais pobre, tem vindo a crescer mais rapidamente do que a média nacional.

A maioria dos brasileiros 52%, pertence agora ao que os marketers costumam designar por classe C, contra os 44% de 2002. Esta classe média-baixa, dispõe agora de um rendimento médio mensal de R$1.064 a R$4.561. Este desenvolvimento foi originado por uma mistura entre crescimento económico e politica governamental. Apesar de existir debate sobre alguns detalhes, a criação de emprego é responsável por mais de metade na queda do índice de pobreza. O Bolsa Família foi particularmente eficiente na ajuda aos mais desfavorecidos.
Quanto é que o Lula merece de crédito por tudo isto? O seu governo tornou o Bolsa Família, de um projeto experimental de pequena escala, na maior transferência liquida de fundos a nível mundial. Também aumentou o salário mínimo em duas vezes e meia desde 2003.
Mas o rápido crescimento económico e a transformação social correspondente, são o resultado de compromissos sociais de longo prazo. Os dois governos de FHC controlaram a inflação galopante, conseguiu a estabilidade que permitiu o crédito, o investimento e os empregos que geraram desenvolvimento.

Certamente o Lula deverá ser louvado por não embarcar no populismo de esquerda que caracterizou algumas das democracias sul-americanas, nos últimos anos. De uma forma geral o seu governo manteve-se firme nas politicas macroeconómicas, que minimizaram as tendências inflacionistas.

O estado da nação

A questão que os candidatos deverão responder durante os próximos três meses será: como consolidar o legado de Lula e continuar a modelo económico. Existe um consenso politico alargado. A estabilidade económica, o investimento na educação e até certo ponto, as politicas sociais ( Serra, por exemplo já confirmou que irá continuar o programa Bolsa                  Família ), terão um papel fulcral no futuro governo. Fora a politica externa - irrelevante para a maioria dos brasileiros -, a grande batalha entre os principais candidatos, irá se desenrolar no papel que o Estado terá sobre a economia.

Em muitos aspetos, Lula tem sido um presidente com sorte. O Brasil beneficiou enormemente com a industrialização massiva da China. O enorme “apetite” da China por bens alimentares e minério de ferro, alavancaram em muito a economia brasileira, fazendo disparar as exportações e equilibrar a balança de pagamentos. Mas, tais fatos serviram para “mascarar” algumas das fraquezas que Lula não resolveu, e que se podem vir a agravar.

José Serra gosta muito de enfatizar que o Brasil detém três recordes: as maiores taxas de juro no mundo, a maior taxa de imposto nos países emergentes e o menor índice de investimento público no grupo dos G20. Tudo isto, disse JS, “serve para manter um governo federal obeso, que gasta demasiado dinheiro na manutenção de empregos públicos, destinado aos seus apoiantes” Também se comprometeu a reformar e simplificar o “labiríntico” sistema fiscal, confuso para os locais e anacrónico para os investidores estrangeiros. O seu objetivo é maximizar o investimento público e privado, de forma a aproveitar o  “boom nas commodities”, que segundo disse “… não deverá durar para sempre…”.

Os aeroportos estão congestionados e a sua gestão passa por momentos “caóticos”. O porto de Santos – principal infraestrutura portuária do país – tem por horizonte, uma interminável fila de navios, que aguardam descarga. A falta de boas estradas e ferrovias, tem consequências extremamente negativas na rede de distribuição. Em Mato Grosso, os produtores de soja só este ano, gastaram 38% das suas receitas, no transporte das suas colheitas para o porto mais próximo. 

Sob o governo de Lula o preço da eletricidade para uso industrial, mais do que duplicou. O governo permitiu cautelosamente, a participação de investidores privados na construção de novas estradas, portos e ferrovias. Mas os aeroportos são geridos por um incompetente grupo estatal. Dificilmente poderá o Brasil se poderá dar ao luxo em manter essa má gestão, se quiser receber os milhares de visitantes estrangeiros, durante os próximos grandes eventos desportivos em 2014 e 2016 e mais importante ainda, projetar o seu futuro.

Entretanto o governo gasta cada vez mais em pensões. Segundo Fábio Giambiagi, consultor no BNDES, apesar de o Brasil ter neste momento só 6% de pessoas em idade de reforma, gasta 11,3% do PIB com elas, quando por exemplo nos USA apesar de 12% da população ser pensionista, esta só consome 6% do PIB.  Atendendo a que o número de pensionistas cresce à média de 4% ao ano – previsão para os próximos 10 anos -, esta situação tende a tornar-se numa bomba-relógio bem conhecida da maioria dos estados europeus.

Os brasileiros confrontam-se assim com uma importante escolha, que terão de efetuar no próximo mês de Outubro. Por um lado, José Serra que lhe poderá proporcionar um estado mais lean e menos interveniente, dando lugar a mais investimento privado e a uma menor carga fiscal. Por outro lado, Dilma Rouseff que irá insistir na politica da continuidade governativa, com a “bengala Lula” sempre à mão, mantendo que ainda há tempo para reduzir as taxas de juro e os impostos  e que o estado deverá promover o desenvolvimento industrial e uma melhor distribuição da receita.

Após 16 anos de estabilidade e politicas continuadas -  de FHC e Lula -, nenhum dos candidatos oferece uma alteração radical, no rumo a seguir. O que está em jogo, é a velocidade no progresso do país.


3Jul2010

©Ernesto Melo Vieira 
MEng, MSc, MBA
Consultor

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